TV aberta ignora o ciclismo, mas cobre as tragédias do esporte

Ao contrário de divulgar o nosso esporte para as massas, a TV aberta brasileira só lembra do ciclismo quando acontecem coisas ruins ou chocantes. Foram tantos momentos em que vimos nossos atletas brilharem (Avancini foi campeão do mundo, Lauro Chaman é o maior paraciclista do mundo, dentre tantos outros), mas isso não foi mostrado na TV aberta brasileira, a qual constantemente nos presenteia com notícias ruins.

Hoje não foi diferente, com a divulgação tardia do acidente de Fábio Jakobsen no noticiário “esportivo” que passa na hora do almoço na TV aberta.

A ideia de montar nosso site nasceu quando percebemos que grande parte das pessoas não conheciam a beleza deste esporte. Depois de quase cinco anos, escrevemos milhares de posts, além de deixar nossa contribuição interagindo com pessoas em redes sociais como o Instagram, o Facebook e o Twitter.

Lembro de estar no Campeonato Brasileiro de Estrada de 2015, realizado em Araraquara, no interior de São Paulo, e acompanhei as entrevistas do mestre “Teacher” Tagliacozzi com os atletas. Chamou-me a atenção a entrevista com o terceiro colocado na prova, José Eriberto (um dos maiores passistas que já tivemos, ex-campeão da Volta do Estado de SP, dentre tantas provas).

A prova em si havia sido espetacular, como todo brasileiro de estrada. O monstro José Eriberto desempenhou um papel importante na fuga final que decidiu a prova, e acreditei que sua reação ao final da prova seria aquele gosto de “quase”. O atleta, pelo contrário, estava muito feliz, e, pasmem, agradeceu a cada repórter que ali estava, em suas palavras: “obrigado por ajudar a divulgar o nosso esporte, que é tão bonito!”.

O tempo tem passado, e começamos a questionar se a falta de informação do público (e até de cultura esportiva) que antes acreditávamos que era uma deficiência na mídia esportiva brasileira, hoje transparece que é a sua verdadeira força.

Imagine que as pessoas percebam que existe um esporte belo em sua essência, com mais emoção do que eles estejam acostumados e que passe por locais paradisíacos, o que, por si só, já auxilia o turismo e a geração de renda, algo que os esportes feitos em quadras e campos têm dificuldade de realizar.

A beleza e emoção do ciclismo não tem espaço na mídia monoesportiva do nosso país. Mas há sempre espaço para notícias ruins sobre o ciclismo (Foto: BettiniPhoto)

Investir em um esporte que transcenda seus limites “esportivos” pode ser a mão amiga que falta em uma economia deteriorada como a brasileira, por exemplo. Essa discussão, sobre a importância econômica do ciclismo, vai longe, de modo que ele é um dos motores do principal gerador de renda na Europa: o turismo. O turismo não existe sem o ciclismo lá, e o ciclismo não existe sem o turismo. Este é o principal fato que forçou as autoridades a permitirem o retorno das competições europeias.

Todavia, a mídia monoesportiva brasileira ainda não percebeu que esse esporte que eu descrevi acima existe. Mas ela já percebeu que as vendas de bicicletas aumentaram e, claro, querem tirar vantagem disso.

Acompanho o ciclismo há duas décadas, desde que perdi o brilho com o futebol na Copa de 98 (ano em que Marco Pantani vencia o Giro e o Tour no mesmo ano, e lógico, isso não foi comentado pela mídia monoesportiva na época!), e assim assisti a pouquíssimos jogos desde então. Questiono, hoje, como as pessoas podem perder seu senso e sua saúde discutindo e brigando por causa de jogadores e times, algo que não faz o menor sentido. Mas é assim que as “forças ocultas” (que de ocultas não têm nada) do esporte querem que você se comporte.

Com a decadência da economia brasileira, veio a decadência nos esportes que dependiam dela. Há dez anos tínhamos vários atletas se destacando, e várias equipes de ciclismo se profissionalizando e se formando no Brasil, enquanto o esportes mais tradicionais não produziam nada além da mesmice.

Avancini vencendo os melhores do mundo no MTB: a TV brasileira impede que as pessoas conheçam seus verdadeiros heróis (Foto: UCI-MTB).

Hoje, os atletas que restaram no ciclismo são fruto de décadas de investimentos de seus próprios esforços (que não tiveram um paralelo de apoio financeiro que os amparasse), e ainda assim, eles não têm espaço na TV brasileira. Trazendo um paralelo com a cultura americana que vangloria os ditos “self-made men”, podemos dizer que no Brasil há os “Self-made athletes”. Chegamos ao ponto de questionar qual a dificuldade da mídia televisiva aberta em divulgar o trabalho incessante destes incansáveis atletas?