Tour 2020: Jumbo vs Ineos,o embate final?

O Tour de France chegou e, com ele, as tradicionais perguntas de “Quem são os favoritos?” ou “Qual equipe está melhor montada?”. A edição 2020 , além de todo o imbróglio envolvendo a realização do Tour devido à pandemia de COVID-19 causada pelo SARS-COV2, tem diversas histórias em paralelo acontecendo, que começam muito antes da largada em Nice e se arrastarão junto com os ciclistas por toda a França, até a chegada final nas Champs-Elysées. Uma dessas é a disputa particular entre Jumbo-Visma e Time Ineos pelo reinado na grande volta francesa.

Comandados em 2020 por Egan Bernal e Primoz Roglic, respectivamente, Ineos e Jumbo disputarão o terceiro round de uma batalha que começou no Tour de l’Ain e polarizou a Criterium du Dauphiné de maneira que os líderes de ambas equipes abandonaram para recuperar-se de desconfortos e lesões a tempo de chegarem na melhor forma possível ao Tour de France. Por quê essa disputa tem polarizado o mundo do ciclismo e como ela parece chegar ao auge durante esse ano? É o que vamos destrinchar a partir de agora.

Ineos e Jumbo brigando pela ponta do pelotão

As origens das equipes e a escalada da rivalidade

Atual time Ineos, a equipe surgiu em 2010 como time Sky e tinha como objetivo vencer o Tour de France com um corredor britânico em poucos anos, o que aconteceu já em 2012 com Bradley Wiggins.

Wiggins, o primeiro sucesso da Sky no Tour

E, nos anos seguintes, o pelotão profissional assistiu à equipe transformar-se num império, vencendo 7 títulos do Tour entre 2010 e 2019, junto com mais um título do Giro d’Italia e dois da Vuelta a Espanha.

A tríplice coroa: o incrível feito de vencer 3 grandes voltas é uma realização para poucos

O ciclista que se tornou símbolo dessa dominância foi Chris Froome, ganhador de 4 Tours, 1 Giro e 2 Vueltas, que perdeu espaço na equipe após as vitórias de Geraint Thomas (2018) e Egan Bernal (2019) e de sofrer um acidente na Criterium du Dauphiné do ano passado.

Froome é o único ciclista a vencer 4 edições do Tour e está a uma vitória de igualar os grandes vencedores como Indurain, Eddy Merckx, Bernard Hinault..

Independente de quem seja o líder da equipe no Tour, a Ineos/Sky é uma das equipes mais vitoriosas da história do Tour de France e dominou os anos 2010 com maestria, muito devido ao talento de Froome, mas também aos elencos recheados de gregários (ciclistas auxiliares) de luxo, que defendiam e protegiam a liderança da corrida e neutralizavam ataques nas montanhas (a famosa tática do trenzinho, onde um gregário toma a ponta do pelotão e coloca um ritmo tão forte que impossibilita ataques dos adversários).

O temido trem Ineos, imagem comum em etapas de montanha no Tour de France

O auge da equipe é discutível, mas há um consenso que o período de maior dominância foi entre 2017 e 2018, quando a Sky venceu 4 grandes voltas em seguida, Tour/Vuelta em 2017,Giro 2018 (os três com Froome) e Tour 2018 (Geraint Thomas, com Froome em 3°). Desde então, com o acidente de Froome, a equipe venceu “apenas” o Tour 2019 com Bernal (e Thomas em segundo lugar) porém com uma menor dominância no controle das corridas.  Talvez devido à mudança de geração e também à ascensão da rival Jumbo-Visma, que passou a replicar as táticas da própria equipe britânica.

Ineos e Jumbo dividindo o pódio em 2019

A Jumbo é uma das equipes mais antigas do pelotão, já passou por diversos patrocinadores (incluindo a Rabobank de meados dos anos 90 até 2012) e assumiu a forma atual a partir de 2015, quando a Jumbo se tornou patrocinadora da equipe. Desde então, a equipe vem colecionando bons resultados progressivamente, com Kruisjwick chegando a liderar o Giro d’Italia até a terceira semana em 2016 e perdendo para Nibali após um tombo. Também, a ascensão de Primoz Roglič, que venceu etapas em todos os grand tours que participou e começou a mirar na classificação geral a partir de 2018, quando terminou o tour em 4° lugar, seguido de Kruisjwick (5°), seu companheiro de equipe. Naquele ano, o Top 5 do Tour teve 2 ciclistas da Sky (Froome e Thomas) e 2 ciclistas da Jumbo (Roglič e Kruisjwick). O outro ciclista no páreo era Tom Dumoulin, à época, corredor da Sunweb, mas que desde o ano seguinte, corre também pela Jumbo-Visma.

A liderança no Giro e camisa rosa tão buscada pela Jumbo

O ano de 2019 para a equipe holandesa começou de forma arrebatadora, com Roglič vencendo todas as corridas por etapas que disputou, incluindo UAE Tour, Tirreno-Adriático e Tour de Romandie e começou o Giro vencendo o contrarrelógio inicial e o da 9ª etapa, liderando entre os favoritos pelas duas primeiras semanas, até que na etapa 14, por não ter uma equipe forte ao seu redor, ficou isolado entre os rivais e perdeu tempo para Richard Carapaz que venceu a etapa e vestiu a camisa rosa, liderando até o fim, enquanto que Roglič não conseguiu repetir o desempenho do começo do ano e do Giro e terminou em terceiro.

A vitória escapou, mas a experiência ficou para Roglič

No Tour, a Jumbo levou uma equipe bem mais forte e variada, com Kruisjwick liderando a busca pela camisa amarela e Groenewegen, Van Aert e Teunissen ganhando etapas. Mesmo com Van Aert se acidentando no contrarrelógio, a Jumbo ainda terminou com 4 vitórias em etapa e Kruisjwick conquistou o 3° lugar na GC. Um ótimo resultado, ainda que a camisa amarela tenha ficado para a Ineos em Paris.

Desfile na etapa final do Tour 2019

Roglič ainda se recuperou no segundo semestre vencendo a Vuelta a Espanha com um desempenho muito superior. O esloveno não teve um segundo sequer de ameaça a sua vitória na Espanha e ainda venceu outras corridas na Itália como Gran Piemonte e a Tre Valli Varesine, chegando próximo da vitória também na Lombardia.

Um segundo semestre ainda mais avassalador que o primeiro em 2019

A temporada 2020 e os duelos às vésperas do Tour

Não é segredo para ninguém que a temporada 2020 foi interrompida e retomada às pressas. Quando as corridas voltaram a ser disputadas, a Ineos recomeçou a temporada na Route d’Occitanie, onde Bernal ganhou uma etapa e a Classificação geral. Entretanto, quando tudo parecia exatamente como sempre, começou o Tour de l’Ain e a Jumbo dominarou as etapas, com Roglič ganhando duas e terminando a outra em 2° lugar. Bernal terminou em segundo na GC, logo após.

Tour de l’Ain 2020: no primeiro embate, deu Roglič e Jumbo com folga

Poucos dias depois começou o Criterium du Dauphiné, uma edição reduzida e com todas as etapas  montanhosas. A Jumbo dominou, vencendo as três primeiras e Roglič liderando até a penúltima etapa, na qual ele sofreu um tombo e, para recuperar-se, abandonou a corrida, repetindo o que Bernal tinha feito um dia antes, para recuperar-se, também, de uma dor nas costas. Na ausência dos dois, a etapa final da Dauphiné decidiu a vitória na geral e foi uma chuva de ataques até que Dani Martinez da EF education foi capaz de conquistar a vitória.

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Dani Martinez se aproveitou da ausência dos favoritos e selou uma importante vitória na classificação geral da Dauphiné

A Ineos, apesar de tentar, não foi capaz de controlar as corridas e viu a rival holandesa aplicar justamente as táticas que sempre favoreceram Froome, Thomas, Bernal e Cia. O desempenho da Jumbo foi tão surpreendente que Froome e Thomas foram sacados do Tour e Richard Carapaz e Pavel Sivakov, selecionados para dar suporte a Bernal e equilibrar a disputa, o que também foi surpresa para a Jumbo, que acreditava na presença de ambos na largada em Nice.

Froome e Thomas fora do Tour

E, se de um lado temos duas ausências importantes, de outro também. Kruisjwick, que caiu e também abandonou a Dauphiné, não irá ao Tour por uma lesão no ombro, adicionando mais um elemento para equilibrar (ou não) essa disputa.

O 3° lugar do Tour 2019 fora da disputa, também

Certo é que as duas são indiscutivelmente as equipes mais fortes do Tour e irão batalhar pelo controle e a vitória da corrida. Mesmo com Bernal e Roglič sendo favoritos, ambas tem, em Carapaz e Dumoulin, co-capitães que podem servir de plano B. Ainda há também aqueles que podem tentar se aproveitar da disputa particular das duas para vencer, como Thibaut Pinot, Nairo Quintana, Pogačar, Richie Porte…

As outras equipes à espreita de uma oportunidade para vencer

De qualquer maneira, será um Tour imprevisível e a batalha final entre Jumbo e Ineos tem tudo para incendiar ainda mais. Serão 21 etapas onde tudo pode acontecer. Faltam menos de 24 horas para a grande largada em Nice..