Fabio Jakobsen, o acidente e a vida

Ainda não se sabe muito sobre a condição do ciclista holandês Fabio Jakobsen. Segundo alguns meios de comunicação, ele estaria consciente após o acidente em que se envolveu no Tour da Polônia, enquanto um repórter local relatou que ele foi colocado em coma artificial.

E esse acidente não poderia acontecer em data pior. Há um ano falecia, dessa vez devido a uma fatalidade, a jovem promessa belga Bjorg Lamprecht no mesmo Tour da Polônia.

Além de Jakobsen outros ciclistas acabaram se envolvido, mas com menor gravidade. Além deles um membro da organização, que estava ao lado do gradil, foi atingido por Jakobsen mas algumas imagens/fotos demonstraram que, apesar de estar com colete cervical, estaria bem, pelo menos, consciente e sentado.

A Deceuninck-Quick-Step está constantemente transmitindo informações sobre o acontecido, mas a realidade é que acidentes como esse não deveriam existir, já passou da hora de se buscar alternativas para as barreiras de limitação de público nas chegadas. Não é possível mais ver ciclistas, totalmente desprotegidos, andando a 60 quilômetros por hora, serem colocados sob risco de serem derrubados por cima deles, como aconteceu hoje. O que deve ser feito são os organizadores que devem discutir, o fato é que é preciso começar a pensar.

Qualquer esporte em que seus competidores são colocados sob risco de vida passam por adaptações para que esses riscos sejam minimizados. A F-1, por ex., obriga os circuitos a terem uma grande área de escape nos locais mais perigosos e ainda possui barreiras de pneus para amortecer batidas. Por que ainda hoje chegadas com um pelotão de 200 ciclistas são feitas em ruas estreitas, muitas vezes antecipadas de curvas perigosas e cercadas de grades de ferro? Algo precisa mudar.

Imagens do acidente.

Não seria difícil colocar uma regra definindo que os locais para chegadas em sprints precisam ter dimensões de pista adequadas e delimitadores com alterações que ajudem a minimizar a possibilidade de que algo pior aconteça.

Não estamos falando que queremos um ciclismo sem acidentes. O ciclismo é um esporte de alto risco, aonde acidentes acontecem, isso é inevitável. O que precisa ser discutido é o que pode ser feito para que acidentes como os de hoje, na Polônia, tenham condições de oferecerem menos riscos aos ciclistas.

O acidente de hoje é chocante e entristece a todos os amantes do esporte. Esse sentimento fica ainda mais pesado quando conseguimos, por um instante, mergulhar nas entrelinhas da vida de um jovem ciclista que acaba se envolvendo em um acidente como esse.

Fabio Jakobsen é um jovem holandês cheio de sonhos, foi isso que deixou claro o texto de Ned Boulting, editor do site The Road Book, ao contar um pouco de um bate papo que ele teve com Jakobsen em abril do ano passado.

Original: https://www.theroadbook.co.uk/2020/08/05/to-fabio-ned-boulting/

Tradução Allan Almeida:

PARA FABIO – NED BOULTING

5 de agosto de 2020.

“Escrevo isso enquanto espero por uma pizza ser trazida à minha mesa. Estou no subúrbio de Turim, onde acabo de comentar uma rara edição da Milan-Torino que terminou com um sprint massivo. Foi o de costume, cheio de drama, táticas, reviravoltas e um digno vencedor, Arnaud Démare.

Teve, até mesmo, um acidente, resultado de um bobo, mas em alta velocidade, toque de rodas entre (ao que pareceu ) Peter Sagan e Daniel Oss. Esse incidente causou uma reação em cadeia que derrubou alguns corredores que não puderam evitar. Alguns, como Ian Garrison, acabaram com as costas raladas. Mas eu espero e creio que ninguém está seriamente machucado.

Quase ao mesmo tempo, na Polônia, houve um verdadeiramente terrível acidente.

A violência com a qual Fabio Jakobsen se chocou contra de barreiras não deve ser reprisada e nem deve ser descrita, tão próximo de um evento que o deixou em estado grave no hospital. Enquanto esperamos e torcemos por boas notícias, lhes contarei o que sei de Fabio.

Na última primavera, no Tour da Turquia, Fabio Jakobsen desempenhou seu papel no intrigante roteiro que se forma nessas corridas “menores”. Chama a atenção de nós, sortudos de estar na corrida, mas passa largamente despercebido pelo grande público do ciclismo. A corrida começou com Sam Bennett, Sr. Turquia nos anos recentes, obtendo sua oitava e nona vitórias na carreira.

Em um pelotão que tinha Caleb Ewan e Fabio Jakobsen, ele parecia intocável. Mas então os outros começaram a achar seu ritmo. E em uma das mais fáceis chegadas, com largas e longas retas,  Jakobsen, de repente, alcançou velocidade máxima e conseguiu sua esperada vitória. Ewan terminaria a corrida como o mais forte, mas Jakobsen conseguiu o que buscava na Turquia. Deceuninck Quickstep não esperava nada menos de sua jovem estrela velocista, ainda à sombra de Elia Viviani no time.

Foi somente numa atenta observação da filmagem em câmera lenta que percebi um detalhe assustador. A 50 metros do fim e, à toda velocidade, Jakobsen se deparou com uma bandeira turca de mão sendo segurada acima das barreiras. Ela se enrolou no seu guidão com sua base perigosamente se aproximando dos raios das rodas, girando a 60km/h.

“Você viu a bandeira?” Jakobsen me perguntou, empolgado, após a corrida, quando a endorfina ainda corria através dele. Então ele balançou a mão direita como se faz num pátio de escola e assobiou estupefato com a própria sorte. Subitamente, percebi o quão jovem ele era. Ele escapou do desastre e, sendo tão jovem, provavelmente nunca acreditou na possibilidade daquilo lhe ferir. Armadura da invencibilidade.

Depois da corrida terminar, na manhã seguinte, eu o vi no aeroporto, à distância. Ele estava jogado no chão, de costas para as vitrines de uma loja, com uma pequena bolsa de pertences ao seu lado e com o capacete amarrado a ela. Estava em profunda conversa com um homem de terno. Sentei próximo a eles, sorri um “Olá” recíproco e escutei a conversa.

Os dois homens: um jovem ciclista profissional e um homem de negócios iraniano, pareciam conversar de hotéis de aeroporto e taxas de viagem. Não foi, para ser sincero, muito interessante. Foi apenas uma conversa normal e trivial entre duas pessoas que pareciam se conhecer bem. Mas após o homem de negócios se despedir e pegar seu voo, perguntei a Fabio “Quem era aquele?”

“Não faço ideia”, ele disse, “só um cara que encontrei”.

Acenei. Então sentamos e conversamos por mais ou menos meia hora, antes do seu voo partir.

Ele me conhecia um pouco, mas não muito bem. mesmo assim, me tratou com mesmo espírito de abertura e aventura que eu presenciei na sua conversa anterior. Ele me contou sobre sua corrida, a dúvida ocasional em si mesmo, a trajetória de ascensão, auto-confiança, o alívio, o julgamento por estar no time mais vencedor do mundo, expectativas, pressão sem fim..

“Quero correr o Tour de France e vencer na Champs Elysées” ele disse.

–Claro que quer.

“É onde vou estar em um ano, espero. Mas aquelas montanhas? Porra..”

–”Tem montanhas no Tour de France”, concordei.

“Eu sei. Preciso praticar atravessá-las.”

–”Você está vivendo o sonho, não é?”, Lembro de perguntar

“É um trabalho incrível” ele respondeu “Olha, a gente correu em volta do mar de.. como é que se chama?”

– “Marmara”

“Isso, Marmara. E Istambul é tão bonita. Aquelas mesquitas..”

No dia anterior a corrida terminou bem próximo a Mesquita Azul com um asfalto liso e brilhoso e loucas curvas de 90° nos últimos metros. Jakobsen, temendo uma queda, deslizou pelas chicanes e deixou Ewan correr sem oposição pra vitória.

Eu tinha uma última pergunta para ele. O tipo de pergunta de um comentarista, que me perturbou por toda a semana, por não saber: “Você é dinamarquês? Quero dizer, sua família é?”

“Ah por que Jakobsen parece dinamarquês? Não. É um sobrenome muito comum no norte dos países baixos”

“E Fabio? É um pouco incomum”

“Meu pai é um grande fã de ciclismo, recebi o nome de um dos seus heróis, Fábio Casartelli. Nasci no ano em que ele morreu”

Depois que ele partiu verifiquei as datas porque não podia acreditar que um homem adulto poderia ter nascido tão recentemente. Ele não mentira, seu aniversário é 30 de agosto de 1996.

Quando coisas como essas acontecem, o ciclismo não tem respostas. Faz um ano do dia que Bjorg Lambrecht morreu no tour da Polônia.

Na introdução do Road Book do ano passado, escrevi o seguinte: “por um tempo correr novamente parecia irrelevante, enquanto o mundo do ciclismo tentava resolver a insolúvel equação que persegue qualquer comportamento humano que assuma riscos: isso vale o custo de uma jovem vida? Na ausência de uma resposta para essa questão, neutralizou-se a corrida no dia seguinte. Quando questões de vida e morte se tornam muito complexas e ofusca nosso desejo de celebrar uma diversão como esporte, nós, humanos, temos a tendência simplesmente de nos calar, o que é nossa falha coletiva e única resposta possível. Quando as corridas reiniciaram, foi com corações pesados.”

Espero que essas palavras não precisem ser repetidas. Estou esperando por boas notícias, tão breve quanto possível, da Polônia, não só de Fabio quanto de um espectador atingido pelo acidente.

2020 já fez o seu pior. Estou esperando pelo melhor. Pode vir.