Como a Lombardia foi vencida na última década

No sábado (15) teremos a 114ª edição da Clássica das Folhas Secas, a Il Lombardia, que esse ano será disputada no verão. É a Clássica Monumento dedicada aos escaladores, que impressiona por suas subidas inclinadas dos arredores de Bergamo e Como.

Com essa pandemia, todo o calendário ciclístico foi alterado, em anos comuns temos a Lombardia sendo disputada em Outubro, após Mundial e Vuelta a España, portanto é possível ter noção de quem chega com pernas e vontade de vencer. Diferente deste ano, que é uma das primeiras provas após o recomeço das disputas no início do mês, portanto, não temos ainda muito parâmetro para analisar os favoritos.

Tendo isso como base, resolvemos analisar o que aconteceu nas últimas 10 edições da prova, de 2010 a 2019, para entendermos como é possível surpreender os adversários e vencer!

2010 – Philippe Gilbert

Iremos falar sobre as provas em ordem cronológica e a primeira foi vencida por Philippe Gilbert.

Para falar um pouco sobre essa prova, convidamos o maior fã de Philippe Gilbert em terras tupiniquins, o editor do blog Na Fuga, Pedro Barbosa. E ele descreveu a prova assim:

Em 2010, uma encharcada Lombardia com um percurso mais difícil e longo, teve Philippe Gilbert honrando o favoritismo e fazendo um clássico duelo com o saudoso Michele Scarponi.

Michele Scarponi e Philipe Gilbert escapados na Il Lombardia.

A batalha foi nos últimos 30 km de prova, depois de sucessivos ataques de Nibali e Giovanni Visconti, que tentavam selecionar ainda mais o grupo. Na técnica e molhada descida do Muro de Sormano, Gilbert abriu vantagem e saiu em fuga com o italiano.

Em declarações na época, Gilbert classificava a descida de San Fermo della Battagila (ultima montanha) mais difícil que a subida pelas condições do dia. Gilbert e Scarponi escalaram San Fermo duelando, até que, com 5 km para o final, Gilbert atacou e chegou solo para a segunda vitória consecutiva do seu primeiro monumento conquistado.

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2011 – Oliver Zaugg

Contra todos os prognósticos, que indicavam Vincenzo Nibali, Damiano Cunego, Jakob Fuglsang e até o bicampeão Philippe Gilbert como os favoritos, o suíço Zaugg pintou como uma zebra.

Oliver Zaugg ao vencer a Il Lombardia 2011.

Zaugg atacou o grupo de favoritos ao fim da subida para Villa Vergano, cerca de 10 km para o fim e seguiu solo até a linha de meta. Garantindo assim sua primeira vitória profissional. O grupo perseguidor com 5 atletas chegou cerca de 8s após Oliver, sprintando por uma vaga no pódio, Dan Martin em 2º e Joaquin Rodriguez em 3º. O Bicampeão Philippe Gilbert finalizou em 8º, 16s após o vencedor.

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2012 – Joaquin ‘Purito’ Rodriguez

A edição de 2012 marcou a volta do Muro di Sormano, após 50 anos fora da rota da clássica. Gilbert, novamente era um nome forte para vencer a prova, ainda mais após levar o mundial, Vincenzo Nibali e Purito Rodriguez também estavam bem cotados para a vitória.

A edição de 2012 foi dura, em termos climáticos, sob muita neblina, chuva e uma temperatura média de cerca de 10ºC, fez com que apenas 54 dos 197 competidores terminassem a prova. Infelizmente, Gilbert foi vítima do mau tempo e acabou sofrendo uma queda na descida do Sormano.

Purito no ataque. Foto: Tim De Waele – LaPresse

E novamente a decisão ficou para a Villa Vergano. Purito, que havia ficado em 3º no ano anterior, se inspirou no suíço e atacou num lugar similar, junto com Samuel Sanchez (na época, da Euskaltel Euskadi), mas antes mesmo do fim da subida, Purito despachou o conterrâneo, se tornando assim o primeiro espanhol a levar a Lombardia. Não é possível ver o momento derradeiro, pois devido as chuvas torrenciais, a transmissão foi severamente afetada. Sanchez chegou em 2º, 9s atrás, e Rigoberto Uran fechou o pódio.

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2013 – Joaquin ‘Purito Rodriguez

A edição de 2013, voltou a ser disputada 1 semana após o mundial (como na década de 30), e como aquele ano o perfil do mundial foi acidentado, muitos viam a Lombardia como uma possível revanche entre Nibali, Purito, Valverde e o campeão mundial Rui Costa. Uran, Dan Martin e Alberto Contador, corriam por fora nas apostas.

Purito conquista sua segunda Il Lombardia.

É possível dizer até que a edição de 2013 foi praticamente um replay do ano anterior, Purito aproveitou-se do trecho de 15% na subida de Villa Vergano, seguido de perto por Valverde, Majka e Dan Martin. Purito conseguiu abrir dos demais e manteve a vantagem na descida e no plano, chegando sozinho novamente. Valverde finalizou em 2º a 17s atrás e Majka em 3º a 23s.

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2014 – Dan Martin

Em um startlist repleto de estrelas, como sempre, antes da prova as que mais chamavam atenção eram a tripleta espanhola (formada por Alejandro Valverde, Alberto Contador e o bicampeão Joaquin “Purito” Rodriguez), o campeão mundial Michal Kwiatkowski e o incansável Phillipe Gilbert.

Diferente das edições anteriores, o final de 2014 não tinha a subida de Villa Vergano, e sim uma subida mais curta, chamada Bergamo Alta, com seu topo perto de 3km para o fim. Tim Wellens foi quem lançou o ataque mais forte, abrindo do grupo, Gilbert puxou o grupo de favoritos com Aru, Valverde, Purito, Rui Costa, Dan Martin, Samuel Sanchez e Albasini, em resposta ao ataque.

Quando encostaram, Dan Martin aproveitou a ‘politicada’ do grupo no último km e lançou o ataque derradeiro, o grupo ficou olhando, mas não tomou iniciativa de ir buscá-lo!

Dan Martin, em 2014.

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2015 – Vincenzo Nibali

O ano de 2015 trouxe de volta a subida San Fermo de la Batalla, a mesma que trouxe a vitória para Philippe Gilbert em 2010. Os favoritos da prova, eram praticamente os mesmo dos últimos anos: Valverde, Purito Rodriguez, Philippe Gilbert, além de Thibaut Pinot, Tim Wellens e Rui Costa.

Diferente das últimas edições, que foram decididas na subida, Vincenzo Nibali usou toda sua habilidade e conhecimento do percurso, e atacou na descida do Civiglio! Abrindo cerca de 40s do grupo perseguidor. No início da última subida, Dani Moreno e Thibaut Pinot tentaram tirar a diferença na subida, Moreno chegou a ficar cerca de 14″ de Nibali.

Nibali conseguiu colocar todos no limite, antes de conseguir, finalmente, escapar na descida do Civiglio.

Porém, mais um downhill e outro show à parte do Tubarão de Messina, que manteve a diferença e cruzou a linha de chegada sozinho! Dani Moreno e Thibaut Pinot garantiram seus lugares no pódio.

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2016 – Esteban Chaves

Em 2016, a organização resolveu mudar um pouco as coisas no percurso, deixando a Maddona del Ghisallo para o começo, fazendo com que não houvesse muito estrago no pelotão, a subida de Valcava foi adicionada (11.65km a 8%) a cerca de 100km da meta, foram acrescentadas também: Sant’Antonio Abbandonato (6,5km a 8.9%), Miragolo San Salvatore (8.7km a 7%) e por fim a Selvino (6.9km a 5.4%) a 30km para o fim.

A lista de favoritos tinha Esteban Chaves, Dan Martin, Romain Bardet, Fábio Aru, além dos sempre cotados Alejandro Valverde e Philippe Gilbet.

De todas edições comentadas aqui, essa foi a que a fuga da vitória se formou a mais longe da meta. E foi durante a subida do Selvino, a cerca de 35km para o fim da prova. Esteban Cháves saltou com seu conterrâneo Rigoberto Uran e com o francês Romain Bardet, a fuga completada momentos depois com Diego Rosa. O grupo chegou a Bergamo Alta com mais de 1:30 de vantagem sobre os perseguidores.

Esteban Chaves venceu depois de uma batalha que durou até os últimos metros da prova.

Bardet sobrou do grupo com 3.6km pra chegada. Os dois colombianos, seguidos de Diego Rosa foram juntos até o fim. Na disputa pelo sprint, Rosa era o favorito e antecipou a arrancada, Rigoberto Uran fechou o gap e serviu de embalador para Chaves, que conseguiu ultrapassar Diego quase em cima da linha!

Leia nossa matéria da época:
Esteban Chaves vence o Giro di Lombardia e entra para história

Chaves contou que ficou muito feliz com a vitória, pois foi na cidade onde ele estreou como profissional, chegando até a morar na região. A primeira vitória para um não-europeu, na Clássica das Folhas Caídas, e o primeiro Colombiano a vencer uma clássica monumento!

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2017 – Vincenzo Nibali

Um cardápio bem conhecido do Tubarão de Messina, com Civiglio + San Fermo de La Batalla nos quilômetros finais, coincidência ou não, foi a mesma combinação da primeira vitória, em 2015! Nibali deixou de correr a Milano-Torino, clássica que antecede o Giro de Lombardia, para reconhecer o percurso.

Dessa vez, as previsões indicavam uma briga contra Alaphillipe, Jungels e Gilbert pela Quickstep; Kwiatkwoski, Poels e Diego Rosa pela Sky; além de Uran (vencedor da Milan-Torino), Gaudu, Bernal (ainda pela Androni-Giocatolli), Tim Wellens e Fabio Aru.

E o movimento chave foi na subida do Civiglio, com Thibaut Pinot atacando. Nibali seguiu, pouco tempo depois e fez o francês SOFRER na descida! Assim, Vincenzo Nibali entrou na última subida do dia com mais de 20 segundos de vantagem, e, além de uma escalada maravilhosa, fechou o show com outro Downhill fantástico, esbanjando habilidade!

Alaphilippe, Nibali e Moscon. O pódio da Il Lombardia 2017.

Thibaut Pinot e Alaphilippe fecharam o pódio.

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2018 – Thibaut Pinot

Após um início de ano conturbado, que passou de vitórias no Tour dos Alpes e chance de pódio no Giro d’Italia a um abandono por doença na grande volta italiana, Pinot terminou a temporada com boas vitórias na Vuelta a Espanha e a vitória na Lombardia, corrida que não era vencida por um francês há 21 anos, desde Jalabert em 1997!

Roglič ataca no Muro di Sormano, uma subida com até 24% de inclinação máxima

A corrida naquele ano explodiu a 50 quilômetros da meta, logo após a fuga ser capturada e quando, ao subirem o Muro di Sormano, Primoz Roglič lançou um forte ataque, seguido por Nibali, que buscava o tricampeonato, e Thibaut Pinot pouco atrás.Ao fim da escalada do Muro, Nibali e Pinot deixaram Roglič para trás e abriram uma vantagem de 40 segundos na descida.

O esloveno ainda conseguiu se juntar aos líderes, assim como Egan Bernal, que estava em sua primeira temporada no World Tour. Mas Nibali e Pinot eram mesmo os mais fortes e largaram os outros dois para trás.

Nibali e Pinot no mano a mano pela vitória.

Na penúltima subida do dia, Civiglio, Pinot atacou e conseguiu abrir vantagem do italiano, então disparou e rodou sozinho os 14 quilômetros finais até a linha de chegada, vencendo sua primeira Monumento e tendo a revanche contra Nibali, que o derrotara no ano anterior, declarando após a vitória:

“Entre os Monumentos, Lombardia é a mais bela na minha opinião. Sempre quis vencê-la. Estou na melhor forma da minha carreira, mas vencer diante de Nibali é algo realmente especial”

Thibaut Pinot cruza a meta em 1° para delírio de Marc Madiot (diretor da FDJ) e toda a França.

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2019 – Bauke Mollema

A edição de 2019 do Giro di Lombardia foi uma demonstração de que experiência, senso tático e encontrar a hora certa para o ataque podem ser o que derrota corredores mais potentes. Os favoritos se alternavam entre Primoz Roglič, que havia vencido a Vuelta a españa e o Giro dell’Emilia pouco antes, Egan Bernal, vencedor do Tour de France e Gran Piemonte e Michael Woods, que vencera a Milano-Torino dias antes, junto de outros grandes nomes como Alejandro Valverde, Simon Yates e Vincenzo Nibali. Entretanto, quem subiu ao pódio (e levou o troféu da Lombardia) foi o holandês Bauke Mollema.

Durante a subida do muro di Sormano, o pelotão capturava os escapados, o que, em seguida, se tornou um festival de ataques até que Giulio Ciccone conseguiu escapar e foi seguido por Buchmann (Bora), Woods (EF), Sosa (Ineos) e, entre outros, Jakob Fuglsang (Astana).

Leia mais:
Il Lombardia: Bauke Mollema surpreende e vence escapado

Alejandro Valverde (Movistar) percebeu que se formava um grupo perigoso e tentou alcançá-los e, então, a Jumbo-Visma tomou o controle da prova para defender as chances de Primoz Roglič. A 19 quilômetros do fim, Mollema, na ascensão do Civiglio, lançou seu ataque do grupo reduzido em que estavam os líderes da prova e enquanto os favoritos trocavam olhares para ver quem seguiria, o holandês abriu uma importante vantagem.

Aproveitando-se de um trecho mais plano na subida, Mollema atacou e rapidamente abriu vantagem sobre os outros escaladores.

Roglič ainda tentou lançar um ataque a  9 quilômetros da meta, mas não foi capaz de reduzir a vantagem de Mollema, enquanto o grupo atrás alcançava o esloveno, o ciclista da Trek permanecia à frente e manteve a estreita vantagem até a chegada para vencer seu primeiro monumento e a maior vitória em mais de 10 anos de carreira.

Vencer uma monumento, mesmo que apenas uma vez, é uma das maiores glórias do esporte.

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Sobre Estagiário 59 Artigos
Menos conhecido por Giovanni Santana, é graduando em Engenharia de Aquicultura (UFPR). Ciclista de fim de semana, entusiasta e corneta em tempo integral.